Fiscalização austríaca



Quando ainda o vergonhoso muro de Berlin estava em pé ou mesmo nos dias atuais, passar pela Áustria me dá uma certa angustia. Cresci ouvindo que lá era a terra do meu tataravô. Que hora pertencia ao império austro-húngaro; hora era anexada a Itália. Hoje, onde ele nasceu pertence à Croácia. Mas o motivo da angústia é outro.

Lembro-me há muitíssimos anos atrás, quando viajava de Europass, e podia ir da Alemanha a Itália com uma mesma passagem sem marcar com antecedência, se tivesse alguma parte do percurso que passasse pela Áustria era preciso comprar o trecho da primeira e da última cidade por onde o trem passasse. E mais, precisava de visto, mesmo que não fosse desembarcar por lá. Na fronteira de entrada e de saída do país, tínhamos que apresentar o passaporte e ser fiscalizados. Nada era necessário na saída da Alemanha, por exemplo, que vivia a divisão política. Mas na Áustria...

Então acho que me acostumei a passar por isso - a gente se acostuma com tudo. Mesmo achando ostensiva demais aquela fiscalização.

Uma vez minha mãe e eu, logo após passar a fronteira de entrada da Áustria, vimos romper vagão adentro do trem que estávamos três policiais a paisana. Olharam como que procurando e na nossa frente encontraram um homem de aparência turca. Alvo fácil. Pele “beduinamente” morena, de cabelos e barba bem negra, traços do Oriente Médio.

A língua alemã e seus dialetos são guturais e por isso parecem sempre mais agressivos. Pararam ao lado do homem, fizeram ele ficar de pé e perguntaram sobre seu casaco e sua bagagem que ele prontamente indicou. Enquanto um policial vasculhava com luvas de borracha, cada milímetro da bagagem dele, outro pelo celular passava todos os dados dos documentos que ele portava a algum lugar que checava tudo; o terceiro fazia a revista e entrevista pessoal constrangedora.

Olhávamos aquilo um tanto incomodadas, porém mudas. Do pouco que pude entender perguntavam até sobre as “vacinas da infância”, sem deixar tempo para ele pensar.

Durou quase meia hora. Ou uma eternidade!

Quando os policiais se foram, sentimos como se todos respirassem aliviados.

Há uns alguns anos atrás, eu ia da Suíça para a Alemanha, passando pela Áustria, e assim que o trem cruzou a fronteira, vi novamente três policias a paisana entrando. Por uma fração de segundo lembrei-me que ao embarcar reparei que todos no vagão em que eu estava eram loiros de olhos azuis. Bingo! Fui a escolhida.

Eu ocupava uma poltrona com uma mesinha à minha frente, e nela estava meu computador. Uma policial e dois homens me mostraram suas credenciais que fiz questão de pegar nas mãos para conferir pacientemente. As três! Tirei os óculos escuros para olhar dentro dos olhos deles diretamente. Eles me perguntaram pelos documentos e se a mochila era minha. Confirmei e começou aquela “vasculhação” que eu bem conheço. Revista pessoal, ligações para tudo quanto é canto e minha vingança: depois de oito dias em hotel, resolvi carregar na mochila toda a roupa suja que acumulara. Sabe aquela meia calça usada que se você bater sai poeira fétida dos pés!? Três delas estavam bem por cima. Quer mais?! Depois de tirar tudo eles têm que guardar de volta. Foi uma obra de engenharia para o policial: a mochila estava super lotada. Terminada a primeira parte ele me perguntou se eu tinha mais alguma bagagem. Confirmei que sim, dois vagões adiante num maleiro maior. Fomos até lá e quando ele viu o tamanho da mala... Desistiu. Pediu para esperarmos uns minutinhos para retornarmos onde estavam os outros policiais!! Tenho certeza que ele calculou o trabalho que ir dar.

Ufa! Feijão preto, carne seca, farinha, pimenta, pinga e pães de queijo estavam a salvo. Como eu iria explicar aos Gabriele-Maasberg, em Berlin que a encomenda deles ficara detida em alguma mesa na Áustria.




6 comentários:

Caderninho de Viagem disse...

Recebi e compartilho:
"Eu li, querida, ótimo como sempre. E me tocou muito, pq agora eu sei que pelo menos uma amiga sabe o que meu filho está sujeito a passar quando vem da Áustria, onde mora, para a Alemanha. Mas sabe que isso é mais comum no trem?
Uma vez, quando ele vinha pelas ruas da cidadezinha onde mora, numa noite com uns amigos austríacos, na contra-mão, de bicicleta, a polícia os parou. Quando os policiais notaram o sotaque do meu filho, perguntaram logo: de onde você é? e ao saberem que era do Brasil, se surpreenderam e perguntaram: rapaz, o que você está fazendo nesse fim de mundo? e então deixaram todos irem, sem multa, apenas disseram para não andarem na contra-mão novamente.
Os colegas da faculdade do meu filho acham o máximo ele ser brasileiro e não se referem a ele como estrangeiro. Ele não é estrangeiro, é brasileiro, entende?"
Sheila Gies

Caderninho de Viagem disse...

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"Bom dia. Estou cada dia mais encantado com seus textos. Linguagem objetiva, densa, criativa. Leva-nos a uma viagem. Cada crônica torna-me mais íntimo dos lugares onde nunca estive, das pessoas que nunca vi. Do seu fã."
Almir Azevedo

Caderninho de Viagem disse...

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"Ah, seus textos são um barato, adoro!!"
Carmen Lombardi

Jeferson Cardoso disse...

Ri muito no final de seu post, parabéns. Lembrei me de um colega de faculdade, mineiro, que estudava no interior de São Paulo e sempre trazia queijo em sua bagagem; a turma zombava, mas não deixava de comer o queijo.
Aproveito a sorte de estar aqui em seu blog e lhe convido para opinar em meu trabalho que já dura quase três meses (O Diário de Bronson).

Abraço do Jefhcardoso do http://jefhcardoso.blogspot.com

Karina Achôa disse...

Recebi e compartilho (como é bom ter amigos):
"Tudo bem, querida? Adorei ler suas ''cronicas'', acho que se vc mandasse para uma revista, eles te contratariam! Serio, vou ler aos poucos... eu adorava ler as da Danusa Leao, ela escrevia para uma revista e depois transformou em livro, quem sabe ainda vou na sua noite de autografos!!!!"
Nanci Galvão da Rocha

Karina Achôa disse...

Recebi e compartilho (como é bom ter amigos):
"Tudo bem, querida? Adorei ler suas ''cronicas'', acho que se vc mandasse para uma revista, eles te contratariam! Serio, vou ler aos poucos... eu adorava ler as da Danusa Leao, ela escrevia para uma revista e depois transformou em livro, quem sabe ainda vou na sua noite de autografos!!!!"
Nanci Galvão da Rocha

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