Sapatos engraxados


Desde pequena tenho a lembrança de em casa, meu avô Frederico engraxando sapatos – os dele e os nossos. Tenho a lembrança de uma caixa de madeira pequena, uma grande escova de madeira escura e cerdas naturais, flanelas de lustro e latas garbosas de graxa marrom e preta. Sapatos masculinos naquela época só eram comumente dessas duas cores.

Desde que me mudei da casa dos meus pais, ainda adolescente, carrego comigo minha "caixa de engraxate" - e isto já faz algum tempo. Doces vivências da infãncia.

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Meu irmão, que agora vive no interior do Estado, depois de ter morado muitos anos na Capital, sempre que vem a São Paulo, vai ao centro da cidade – em frente e BM&F – para engraxar seus sapatos com profissionais.

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Desde a primeira vez que fui trabalhar na Bahia mais especificamente, no interior da Bahia, há mais de vinte anos atrás, adotei o hábito de engraxar meus sapatos na rua de qualquer pequena cidade. Os jovens engraxates, que muitas vezes são as únicas fontes de renda de suas famílias são meninos muito falantes. Dedicados ao que fazem e vez por outra me perguntam: “ A senhora não é daqui, né!?” Diante da minha afirmativa, respondem: “Ah, porque as mulheres daqui não engraxam sapatos.”

É ótimo ir com eles ao mercado - comprar graxa, a caixa de sapateiro, chinelos para pés descalços, chocolates, material escolar - e ouvir suas histórias e porque desejam certas coisas.

Houve uma vez, em Seabra, que depois de um longo dia de viagem, buscamos um "pouso" e algo para comer. Num boteco, enquanto aguardavamos, surgiram três engraxates. Eles trabalhavam para nós e eu passei a fazer meu “censo” habitual. Os garotos na faixa de seus nove anos, enquanto engraxavam nossos sapatos, garantiam ao Adalberto, ao Zenaldo (meus companheiros dessa etapa da viagem e do trabalho) e a mim, que estavam na escola.

Adalberto, com sua fleuma e seu jeito calmo, perguntou a um deles: “Já que você está na escola, leia para nós o que diz aquele cartaz!”: ('sucos e sanduíches').

O menino largou a escova, olhou o cartaz, olhou, olhou... e retomando seu trabalho explicou com toda sabedoria: “Sabe o que é moço, é que eu mais sei escrever do que ler”.


Seabra é o meio do caminho em direção a um dos extremos da Chapada Diamantina - Ourolândia e Jacobina, nesta Bahia continental.

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