Vinho Santo

Uma das boas coisas de viver na Europa é que Florença, Paris, Praga, por exemplo, ficam bem pertinho. Ao menos muito mais perto que daqui de São Paulo.
Enquanto vivi em Munique, desfrutei disso. Uma amiga, Silvia Thaler morava em Florença. Estudava restauro de tapetes. Incrível, não é mesmo?!
Ela dividia apartamento com outras amigas de diversas nacionalidades, todas estudando algum tipo de arte. Entenda-se por apartamento uma construção de 1914 com uma entrada no térreo e alguns apartamentos com sacada no primeiro andar. Sala espaçosa. Cozinha enorme. Todos os quartos grandes e com pé direito enorme!!
Há quase vinte anos atrás eu ficava fascinada em encontrar diversos tipos de cogumelos frescos para cozinhar. Experimentava todos. Aliás, experimentava o quer que fosse que eu não tivesse experimentado ainda. Na primeira vez em que estive lá, em meio a tantas experiências gastronômicas, ela decidiu me fazer provar Vinho Santo com Cantucci *. quem ainda não provou... tem que provar!!!
Fomos ao mercado buscar o tal vinho. A menor garrafa que encontrássemos. Até porque é um vinho licoroso para servir em pequenas quantidades. Encontramos uma de 500 ml. Buscávamos uma de 250. Do fundo do mercado, um aroma inebriante saia da padaria, mesclava o odor de massa adocicada com das amêndoas torradas: Cantucci fresquinhos. 
O padeiro indicou: um cálice de vinho por pessoa e 50 gramas dos biscoitinhos maravilhosos para cada. Nos entreolhamos gulosas e pensamos: tinhamos o resto da tarde sozinhas no apartamento e sem muito programa definido para a noite. Pedimos 300 gramas dos divinos biscoitinhos! Ainda o padeiro fez sua graça dizendo: “ - Nada de beber!” Somente deveríamos ir molhando os Cantucci no cálice de vinho. Voltamos felizes, e eu carregando nossa compra embrulhada em papel pardo à moda antiga, como um troféu.
(Quando estamos morando só por alguns meses num lugar, o mais normal é vivermos com conforto, mas sem os luxos que podemos ter quando estamos lá em definitivo. Quanto tempo quer que este definitivo signifique.)
Apesar do vento gelado, abrimos as janelas do apartamento, colocamos uma música maravilhosa e sentamos à mesa da cozinha para começar o ritual. Devia ser umas quatro da tarde. Um entrave inicial: na ausência dos pequenos luxos, nada de cálice. Achamos que um copo resolveria a situação. Comedidas, colocamos a quantidade de Vinho Santo que caberia num cálice. Problema técnico: a ponta de nossos dedos segurava os Cantucci, mas não alcançava o vinho. Como estávamos só nós duas, e ia sobrar vinho... colocamos mais vinho no copo para realizar a operação.
A textura torrada dos biscoitinhos, levemente aerados permitia reter uma quantidade ideal de vinho. Um prazer para ser provado e repetido. Vez por outra, como o copo era fundo, um biscoitinho caia e tentávamos resgatá-lo, bebendo um tanto do vinho. Resumo: quase nove da noite e havíamos comido tudo; bebido mais da metade da garrafa de vinho.
Decretei: - Precisamos caminhar!
Arrastei a Silvia e dois cachecóis até um parque mais ou menos perto. Ríamos como quê. Frio e a única coisa que tínhamos era o calor do vinho e dos cachecóis.
Já estávamos lá há um tempo, quando de repente vimos um par de faróis vindo na nossa direção, saídos do nada no meio do parque. Polícia. Eles se aproximam e perguntaram o que estávamos fazendo ali aquela hora da noite. Mais risadas. Expliquei que precisávamos caminhar!! Eles disseram que ali não era um bom lugar e que entrássemos no carro. Negamos enquanto seguíamos andando. O que precisávamos era caminhar muito! Depois da terceira negativa eles resolveram nos acompanhar até em casa: eles no carro e nós caminhando!

 * Cantucci
2 xícaras de farinha de trigo
1 xícara de açúcar
1/4 xícara de manteiga
1/2 colher (sopa) de fermento em pó

1/2 colher (chá) de casca de limão ralada
50 g de amêndoas sem casca
2 ovos
Misture todos os ingredientes até que a massa fique homogênea. Divida-a em duas partes e enrole, formando dois cilindros iguais. Leve ao forno em uma assadeira grande (forrada com papel manteiga). Achate-os até que fiquem com 1,5 cm de altura.
Asse por 20 minutos em temperatura média (200°C). Retire do fogo, deixe esfriar por 10 minutos e corte em fatias de 1 cm de largura, sem retirá-las do lugar, apenas afastando um pouco umas das outras. Reduza a temperatura do forno para 180°C e asse por mais 20 minutos.

7 comentários:

Unknown disse...

Que bom que gostas de italianos, com um vizinho desta terra, se fosse o contrario, seria um problema...
Parabens

Anônimo disse...

Therezinha Furtado Gomes escreveu:
Minha Boneca ! Eu não consigo escrever naquele lugar dos comentários. Tudo fora de linha! Um horror!. Mas que delicia de Vinho Santo.! Aliás, todo Vinho é Santo! Bebida dos deuses!E que porre delicioso é" um porre de vinho numa noite fria da velha Europa."Isto é oferta dos deuses !!!!!!
Só faltava um gajo para completar a noite. É bem verdade que foram muito bem acompanhadas pelo carro da policia.Mas isto só acontece com Karina.Vinho Santo ! Por onde andava o Baco?
Adoro suas aventuras por este mundão. Beijão TÊ

Unknown disse...

Adoro ler as suas histórias sobre o mundo, os detalhes, as cidades, esse caderninho leva mesmo a gente a viajar pelo mundo sem gastar os Euros! Vinho é SANTO se ate mesmo Jesus Cristo bebia(rsrs), uma tecnica milenar dos deuses, muito apreciada por bons paladares e uma boa conversa.
Bjuks
Julhia

Unknown disse...

Olá, Karina!

Ótimo post!!!

É interessante e ainda divertido ler sobre suas experiências pelo mundo.

Ótima dica, essa do Vinho Santo com Cantucci.

Em breve, será possível compartilhar momentos e dicas como as que você descreveu no Milevo, a nova rede social de viagens.

Esperamos você lá!
Abraços,

Equipe Milevo
@milevocom
milevo.com

Anônimo disse...

Oi Karina

Gostei mesmo é da historia do cantuccini...e me diverti.
beijos com carinho#
Silvia

Caderninho de Viagem disse...

Silvia

Que bom que você gostou da história do cantucci...
Afinal de contas você é a personagem principal!!!

beijos e saudade (tô esperando sua vinda em outubro para comermos rabada com cachaça)

Joseph disse...

Muito bom, Karina. Quero sugerir outros posts de receitas italianas. Faz tempo que invento umas misturas toscano-baianas. Um dia fazemos uma parceria na cozinha (e no texto, claro), em Firenze, Salvador ou SP.

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